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9 de fevereiro de 2016

Terceiro artigo da trilogia sobre o Céu: Adentrando o castelo

Muitos, ao longo desses dois mil anos de catolicismo, superaram, mediante a graça de Cristo, todas as más inclinações da carne, chamadas pela doutrina de concupiscência, todas as provações e tentações do mundo e do diabo, por meio dos Sacramentos, da oração, da penitência e das boas obras. Tais santos(as) tinham suas esperanças fixadas como âncoras ao Céu e, nesta vida, abraçaram suas cruzes com tanto amor que todo sofrimento e mesmo a própria morte lhes pareciam deleite quando comparadas à glória celeste que lhes aguardavam. Assim, vemos nas Escrituras São Paulo declarar que seu “viver é Cristo e o morrer é lucro”, ou, Santo Inácio de Antioquia, bispo católico do primeiro século, afirmando que ao fim de sua jornada não havia em si joio (e, ao que nos parece: nem medo de leões famintos), ao declarar-se “o trigo de Cristo pronto para ser triturado pelos dentes dos leões”; de maneira semelhante, frente à morte, aos tenros 24 anos de idade, Santa Teresinha de Lisieux era quem confortava as irmãs com um singelo sorriso em meio a dores atrozes: ”Não morro, entro na vida”.

Em nossas duas reflexões anteriores estudamos algumas características desta pátria celeste pela qual os santos suspiram, dispostos a perder a presente vida e todos os seus prazeres sem hesitar. Hoje, peço a Nosso Senhor que nos conceda encontrar, adentrar e explorar um magnífico castelo. Digamos que os dois artigos anteriores foram teóricos e este seja o início de uma prática que, sugiro, seja exercitada com “determinada determinação” (como diria Santa Teresa) a partir desta Quaresma e até nosso último suspiro sobre a terra.

Teresa D'Ávila, monja, reformadora do Carmelo, santa e doutora da Igreja, viveu no século XVI, mas deixou para a Igreja obras que parecem escritas pelo próprio Senhor pois transcendem os tempos, permanecendo atuais em quaisquer épocas em que forem lidas. Recomendo a leitura de seu “Caminho de perfeição” como primeiro livro de sua obra a ser lido, facilitará o entendimento dos demais. No entanto, hoje, nossa reflexão será orientada por seu “Castelo interior ou moradas”.

A fim de auxiliar a caminhada espiritual dos fiéis, a monja espanhola descreve um impressionante castelo, dividido em sete compartimentos, sendo o sétimo compartimento, ou, sétima morada, o lugar onde o próprio Deus habita do mesmo modo que habita o Céu. Diferentemente da pátria celeste que é, como já vimos, um outro lugar, portanto fora de nosso alcance enquanto vivemos neste mundo, este castelo é acessível a qualquer um e deve ser conhecido e desbravado por todos. Trata-se de um lugar eterno onde quanto mais avançamos em suas moradas, mais belo e capaz de nos satisfazer ele se nos apresenta.

Este castelo é o que possuímos de eterno, é o que nos torna imagem e semelhança do Criador e é onde, no seu estado mais íntimo, a sétima morada, conforme já descrito, o próprio Criador se encontra. Todos que queiram e se esforcem podem nele adentrar e ninguém, por mais poderoso, rico ou influente que seja, pode impedir-te de fazê-lo, pois ainda que preso, mendigo ou indigente, no recolhimento e no silêncio de onde brota uma oração sincera e confiante, que é a própria porta do castelo, segundo a santa, você pode adentrá-lo. Este castelo nos faz ricos. Nos torna mais ricos na medida em que, mortificando os sentidos, carregando com amor nossas cruzes e vivendo na oração e nos sacramentos, avançamos e nos aprofundamos em suas moradas.

O mundo moderno é tão corrido quanto vazio. Praticamente não há, na atualidade, quem se proponha a viver ao menos o princípio básico da filosofia grega: “conhece-te a ti mesmo”. Não dá tempo! Ora as preocupações, ora os prazeres ou mesmo a preguiça, consomem nosso cérebro, e a triste notícia é que caberia a este órgão estabelecer contato entre nó e o castelo, mas o cérebro não poderá fazê-lo se nossos sentidos estiverem gordos de prazeres, ou, na busca insaciável por eles, ou ainda, atormentados por temores, preocupações e curiosidades vãs. Seria como se um pássaro, almejando o cume de um monte verdejante, onde encontraria plena satisfação, se visse acorrentado a bolas de chumbo que lhes fixassem as patas no lamaçal da planície, sem jamais poder alçar voo. E não se espantem com a constatação de que assim vive a esmagadora maioria das pessoas; e, o que é pior, neste mesmo estado, também morrem: não descobrindo e nem explorando o castelo interior e, por esta mesma razão, após a morte, não são capazes de estabelecer este castelo na pátria celeste, onde tudo será elevado à máxima glória; onde a plenitude alcançada por nosso ser nos fará notar, com clareza, o que agora apenas conjecturamos: que todos os prazeres dessa terra são um nada quando vistos de cima!

Ao concluir esta modesta reflexão, penso que tenha ficado claro que este castelo é o maior dom que possuímos nesta terra. É ele que nos faz viver. Trata-se de nossa alma! Devemos explorá-la, adorná-la e alimentá-la com orações, penitências, boas obras e uma vida pura e santa. Devemos policiar nossos pensamentos, palavras e atos para que nosso encontro com o Senhor seja cada dia, ainda nesta vida, mais profundo, mesmo sabendo que são raros os santos que atingem esta sétima morada (os que o fazem, por exclusiva concessão divina, caminham neste mundo como se já estivessem no próprio Céu), esforcemo-nos por progredir de morada em morada (de renúncia em renúncia), até onde o Senhor nos conceder. Vigiar e orar é ordem dEle e não devemos esmorecer se acaso não vemos ninguém a fazê-lo, pois, foi este mesmo Senhor quem também nos ensinou ser estreita a porta da salvação e raros os que por ela passam. Em contrapartida, há uma larga porta da qual devemos sempre desconfiar: cômoda, sem cruz, inúmeros caminhos levam a ela (muitos enganados pela mentira clássica de que “todos os caminhos levam a Deus”), os que trilham esses caminhos, ainda que possuam o castelo e, dentro dele, em sua morada mais íntima, encontre-se o preciosíssimo tesouro, no entanto, porque não estão dispostos a renegarem a si mesmos, tomando a cruz e seguindo os passos do Mestre, vivem e morrem na absoluta miséria e indigência espiritual. Espero, aqui, estar refletindo com milionários…

Santa Quaresma a todos!
Jeansley de Sousa

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